Como a Neurogastronomia vem sendo aplicada em restaurantes
Comer e servir em todos os sentidos
Gastrodata | Junho 2024
Em maio de 2024, o Risposta perguntou a mais de 1600 pessoas acerca de que áreas da neurogastronomia os restaurantes deveriam investir para criar experiências memoráveis. Os resultados estão expostos no gráfico abaixo.
Definindo a Neurogastronomia
A cor da xícara em que se bebe café pode causar diferenças na forma como as papilas gustativas reagem a ele. De acordo com um experimento conduzido por George H. Van Doom, da Escola de Ciências da Saúde e Psicologia da Federation University Australia, ao comparar as avaliações das pessoas que beberam café numa chávena branca com aquelas que beberam numa chávena transparente, descobriram que as primeiras classificaram o seu café como menos doce do que as últimas. Esse estudo faz parte de um ramo científico bastante utilizado por restaurantes para impulsionarem o seu atendimento: a Neurogastronomia. Confira abaixo o que é e como usá-la em restaurantes.
É uma ciência relativamente nova que estuda o paladar e todo o processo perceptivo da experiência gastronômica a nível sensorial. Tendo o termo utilizado pela primeira vez em 2006 pelo neurobiólogo americano Gordon Shepherd, esse ramo científico tem como foco o entendimento de como o cérebro humano cria o gosto.
Unindo neurociência, psicologia, gastronomia e até mesmo design, a neurogastronomia tem se mostrado um forte aliado para restaurantes e chefs de cozinha aperfeiçoarem seus cardápios e preparos. Ela fornece uma ampla análise de como diversos fatores, além do gosto da comida em si, podem influenciar a percepção do cliente.
Abaixo, estão dividas cada uma das arenas apresentadas na imagem e como elas podem ser utilizadas por restaurantes
Arena 1 – Gerenciando Emoções e Memórias
As pessoas frequentemente recorrem aos alimentos para gerenciar suas emoções e bem-estar devido ao forte vínculo entre a alimentação e os estados emocionais. Muitos utilizam o ato de comer como uma forma de lidar com o estresse, ansiedade, tristeza ou até mesmo para celebrar momentos de alegria.
Comida caseira, regional, típica, popular e tradicional. Todos esses são slogans utilizados para fomentar a nostalgia. Um mineiro que mora no Rio de Janeiro não precisa voltar a sua cidade natal para comer o delicioso feijão tropeiro feito pela sua avó. Ele pode desfrutar de um semelhante, que traga um sentimento afetivo, na esquina de sua casa.
Emoções (Alimentos e Bebidas Confortantes)
Proporcionam sensação de prazer, recompensa e bem-estar emocional, ajudando a aumentar os níveis de serotonina e dopamina. Exemplos: doces, sorvetes, chocolate amargo, bebidas quentes com ou sem cafeína, drinks
Memória (Alimentos Nostálgicos)
De acordo com uma pesquisa do Instituto Ipsos e DataFolha, 83% dos entrevistados afirmam consumir pratos típicos de seus estados, mesmo morando fora. Esses pratos remetem a infância e família, podendo estimular a nostalgia e a memória
Nesse sentido, para trazer a nostalgia ao restaurante, é necessário adequar não só a comida, mas também o próprio cardápio. Aderir slogans específicos ao menu é uma forma de cativar o cliente. Por exemplo: Prato da Vovó, Comida do Sertão, Pavê ou Para Comer, Cafézinho da Tarde, entre vários outros que remetem a memórias coletivas.
Essa adesão regional, caso bem feita, gera um marketing gratuito e natural para o próprio estabelecimento. Voltando ao exemplo do mineiro, ele poderá não só ir com frequência, mas como também indicar a outras pessoas o feijão tropeiro “idêntico ao de Minas’’ que ele conseguiu achar.
Arena 2 – Experiências Visuais
Psicologia das Cores
As cores dos pratos, talheres e ambientes podem influenciar a percepção do sabor. Cores como vermelho, amarelo e laranja remetem à comida e à fome, enquanto azul e verde transmitem sensações de saúde e naturalidade. Experimentos mostraram que um mousse de morango fica mais doce em um prato branco e redondo, e um chocolate quente é mais gostoso em uma caneca laranja ou creme. Entretanto, a percepção de cor é influenciada pelo contexto social e cultural.
Exemplo (MOWa- Corea do Sul)
O restaurante coreano MOWa, em Jung-Gu, é um espaço que combina o vinho com a culinária regional. Nele, percorre um corredor em tons verdes no centro, servindo como uma biblioteca de vinhos. O estofamento vermelho escuro fica em um lado da passagem central, representando a bebida restante, enquanto uma área cinza mais nítida compartilha a parede oposta para fazer referência a um terceiro espaço que espera para ser preenchido. Utilizando iluminação ascendente contra um teto verde e iluminação difusa através de paineis de vidro fosco verde nas prateleiras de vinho, estar dentro da passagem é como estar dentro da própria garrafa.
Nesse sentido, para introduzir a psicologia das cores, é necessário que o restaurante utilize como base a experimentação. Alternar pratos, talheres e guardanapos de diferentes colorações promove uma conclusão de qual se encaixaria melhor com o contexto do restaurante. Entretanto, para conseguir essa conclusão, o investimento em mecanismos de feedback torna-se crucial.
Uso Estratégico da Luz
Muitos restaurantes criam a ilusão de um espaço mal iluminado enquanto mantêm um ambiente bem iluminado. Isso é feito adicionando velas às mesas durante a noite. As velas emitem uma luz quente, brilhante o suficiente para iluminar aqueles que estão sentados à mesa. Este truque ajuda a estimular uma sensação de intimidade sem sacrificar a capacidade do cliente de ver e desfrutar plenamente da sua refeição.
Antes de aderir determinado tipo de iluminação, é necessário impor que tipo de estadia e atendimento está disposto a oferecer. A partir dessa análise, adaptar a luz às necessidades de venda. Por fim, apesar de todo esse estudo, a opinião do cliente deve ser levada em consideração. A partir dela é possível analisar a aderência dessa nova prática.
Arena 3 – O Poder do Som
Uma trilha sonora bem feita e analisada é quase como um ingrediente especial no cardápio.
Selecionar detalhadamente uma playlist pode apresentar melhores resultados do que uma playlist com as músicas mais tocadas do Spotify. As frequências sonoras e os ritmos das músicas podem mudar a percepção do sabor. A escolha musical deve estar atrelada ao modelo de negócio do restaurante. Não necessariamente uma playlist com músicas mais tocadas terá uma repercussão negativa nas vendas
Em estudo feito pela Soundtrack Your Brand, uma trilha sonora com as músicas mais ouvidas resultou em uma diferença negativa de 9% das vendas em comparação a uma trilha sonora selecionada
- Altas frequências sonoras → sabor mais doce
- Baixas frequências sonoras→ mais amargo
- Ritmos rápidos → sabor mais azedo
Entretanto, isso só será descoberto por meio de pesquisas de satisfação. O feedback é um mecanismo capaz de fornecer esse conhecimento ao restaurante.
Exemplo (Fat Duck- Reino Unido)
O prato de frutos do mar ‘O som do mar’ (exclusivo do menu de degustação do restaurante 3 estrelas Michelin The Fat Duck) é servido junto com um fone de ouvido atrelado a uma concha. O restaurante utiliza-se do bater suave das ondas da praia, com gaivotas a sobrevoar, para dar a sensação ao cliente de que ele estaria na beira do mar desfrutando de mariscos frescos.
Arena 4 – Misturando Sabores
Uma arte culinária
Quando bem executada, essa harmonia entre diferentes gostos pode não apenas satisfazer o paladar dos clientes, mas também impulsionar as vendas de maneiras surpreendentes.
Cardápio participante
Descrições provocativas e instigantes podem despertar a curiosidade do cliente, levando-o a escolher e ressignificar combinações de alimentos.
Exemplo (Fat Duck- Reino Unido)
O The Fat Duck realiza alternâncias de sabores nos seus pratos a fim de provocar novas sensações gustativas nos clientes. Gelados como sorvete, que usualmente possuem o sabor doce, são servidos em um tom salgado. A exemplo de um salmão com abacate e raiz-forte e um corneto de caranguejo com maracujá. Além disso, o restaurante também fornece um prato de caranguejo misturado com chocolate branco, manteiga de cacau, velouté de mexilhão e bacon, algas, caviar e ovas de truta.
.Arena 5 – Outras Sensações
Controlando o olfato do consumidor
De acordo com pesquisa da companhia FragranceX, 59% dos consumidores consomem mais se um estabelecimento apresenta um bom cheiro. Nesse sentido, investir em práticas que tragam a sensação de limpeza, porém de forma sútil, torna-se um alicerce para restaurantes.
Há de se atentar para a possibilidade de certos aromas tornarem-se invasivos e desconfortáveis. Reconhecer a importância do feedback nesse tipo de situação é andar de mãos dadas com a opinião do cliente.
Exemplo (Mugaritz – Espanha)
Após analisar que seus clientes estavam apresentando reclamações acerca do forte cheiro de limpador de chão, Andoni Luis Aduriz, chef e proprietário do restaurante espanhol 2 estrelas Michelin, Mugaritz, queimou alguns brotos de cipó num incensário e espalhou a fumaça pela sala. O cheiro da lenha queimada é universal e agradável para todos, e está associado à cozinha. Após aderir essa prática, Andoni constatou um aumento do consumo em seu estabelecimento, além de seus clientes afirmarem estar mais confortáveis com o novo aroma.