Como a Neurogastronomia vem sendo aplicada nos restaurantes

Comer e servir em todos os sentidos

Em maio de 2024, o Risposta perguntou a mais de 1600 pessoas acerca de que áreas da Neurogastronomia os restaurantes deveriam investir para criar experiências memoráveis. Os resultados estão expostos no gráfico abaixo

Em que áreas os clientes gostariam de inovação quando o tema é experiência

(GatroData 2024 - 1655 Pessoas)

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Definindo a Neurogastronomia: O cliente decide pelo alimento antes mesmo de comê-lo

A cor da xícara em que se bebe café pode causar diferenças na forma como as papilas gustativas reagem a ele. De acordo com um experimento conduzido por George H. Van Doom, da Escola de Ciências da Saúde e Psicologia da Federation University Australia, ao comparar as avaliações das pessoas que beberam café numa chávena branca com aquelas que beberam numa chávena transparente, descobriram que as primeiras classificaram o seu café como menos doce do que as últimas. Esse estudo faz parte de um ramo científico bastante utilizado por restaurantes para impulsionarem o seu atendimento: a Neurogastronomia. Confira abaixo o que é e como usá-la em restaurantes.

É uma ciência relativamente nova que estuda o paladar e todo o processo perceptivo da experiência gastronômica a nível sensorial. Tendo o termo utilizado pela primeira vez em 2006 pelo neurobiólogo americano Gordon Shepherd, esse ramo científico tem como foco o entendimento de como o cérebro humano cria o gosto.

Unindo neurociência, psicologia, gastronomia e até mesmo design, a neurogastronomia tem se mostrado um forte aliado para restaurantes e chefs de cozinha aperfeiçoarem seus cardápios e preparos. Ela fornece uma ampla análise de como diversos fatores, além do gosto da comida em si, podem influenciar a percepção do cliente.

Abaixo, estão dividas cada uma das arenas apresentadas na imagem e como elas podem ser utilizadas por restaurantes.

Arena 1 - A diferença entre gosto e sabor

Gosto

Sabor

É unidimensional, existe sem que seja reproduzido pela combinação de outros gostos. Salgado, doce, amargo, ácido e umami. São classificados à medida que a ciência identifica papilas gustativas especializadas em cada um desses gostos.

É multidimensional, a infinidade de combinações possíveis entres esses 5 gostos. Por exemplo: limão siciliano, limão taiti e limão-cravo. Todos os 3 tem o mesmo gosto predominante, ácido. Porém, os sabores são siciliano, taiti e cravo. Ou também um biscoito recheado. Seu gosto? doce. Seu sabor? Morango, chocolate, limão, etc.

Entretanto, a decisão do que é gostoso ou não é muito mais complexa do que simplesmente aquilo informado pela língua. Há casos em que o sabor seja o menos importante para essa definição. Fatores externos exercem grande influência na escolha. A predisposição para se alimentar, estado de ânimo, nível de fome, o ambiente, comportamentos neofóbicos ou neofílicos, textura do alimento, aroma, sons. Tudo isso interfere na percepção final do cliente no alimento.

Vale destacar a existência de clientes neofóbicos e neofílicos. Enquanto a neofobia trata de pessoas que tenham algum tipo de receio quanto à experimentação do novo, a neofilia caracteriza indivíduos que apresentam disposição para experimentar novos pratos. Nesse sentido, um restaurante que queira realizar algum tipo de interação de gostos e sabores deve, a princípio, ter o conhecimento sobre como seus clientes poderiam reagir a essa inovação.

Exemplo prático: Fat Duck - Reino Unido

O The Fat Duck realiza alternâncias de sabores nos seus pratos a fim de provocar novas sensações gustativas nos clientes. Gelados como sorvete, que usualmente possuem o gosto doce, são servidos em um tom salgado. A exemplo de um salmão com abacate e raiz-forte e um corneto de caranguejo com maracujá. Além disso, o restaurante também fornece um prato de caranguejo misturado com chocolate branco, manteiga de cacau, velouté de mexilhão e bacon, algas, caviar e ovas de truta.

Arena 2 - Experiências Visuais

Uso Estratégico da Luz

Muitos restaurantes criam a ilusão de um espaço mal iluminado enquanto mantêm um ambiente bem iluminado. Isso é feito adicionando velas às mesas durante a noite. As velas emitem uma luz quente, brilhante o suficiente para iluminar aqueles que estão sentados à mesa. Este truque ajuda a estimular uma sensação de intimidade sem sacrificar a capacidade do cliente de ver e desfrutar plenamente da sua refeição.

Antes de aderir determinado tipo de iluminação, é necessário impor que tipo de estadia e atendimento está disposto a oferecer. A partir dessa análise, adaptar a luz às necessidades de venda. Por fim, apesar de todo esse estudo, a opinião do cliente deve ser levada em consideração. A partir dela é possível analisar a aderência dessa nova prática.

Psicologia das Cores

As cores dos pratos, talheres e ambientes podem influenciar a percepção do sabor. Cores como vermelho, amarelo e laranja remetem à comida e à fome, enquanto azul e verde transmitem sensações de saúde e naturalidade. Experimentos mostraram que um mousse de morango fica mais doce em um prato branco e redondo, e um chocolate quente é mais gostoso em uma caneca laranja ou creme. Entretanto, a percepção de cor é influenciada pelo contexto social e cultural.

Nesse sentido, para introduzir a psicologia das cores, é necessário que o restaurante utilize como base a experimentação. Alternar pratos, talheres e guardanapos de diferentes colorações promove uma conclusão de qual se encaixaria melhor com o contexto do restaurante. Entretanto, para conseguir essa conclusão, o investimento em mecanismos de feedback torna-se crucial.

Exemplo prático: MOWa - Coreia do Sul

O restaurante coreano MOWa, em Jung-Gu, é um espaço que combina o vinho com a culinária regional. Nele, percorre um corredor em tons verdes no centro, servindo como uma biblioteca de vinhos. O estofamento vermelho escuro fica em um lado da passagem central, representando a bebida restante, enquanto uma área cinza mais nítida compartilha a parede oposta para fazer referência a um terceiro espaço que espera para ser preenchido. Utilizando iluminação ascendente contra um teto verde e iluminação difusa através de painéis de vidro fosco verde nas prateleiras de vinho, estar dentro da passagem é como estar dentro da própria garrafa.

Exemplo prático: Elena Horto - Brasil

O restaurante, localizado na cidade do Rio de Janeiro, tem em sua proposta explorar a experiência do cliente a nível sensorial. A arquitetura do local é pensada para que essa experiência vá muito além do simples ato de comer. Com 160 lugares, dois andares, dois bares, rooftop a céu aberto, salão com vista para a cozinha e até um banhiero instagramável, o Elena consegue transformar uma simples experiência convencional em uma aventura gastrônomica. 

A escolha dos materiais foi cuidadosamente planejada para refletir o verde, a informalidade e a atmosfera do bairro. Elementos como o piso de madeira, a vegetação pendente e as paredes antigas descascadas se combinam com texturas mais refinadas, como o couro, o nobuck, as chapas metálicas em tons de bronze, verde ou natural, e as luminárias exclusivas desenvolvidas para o projeto.

Arena 3 - Emoções e Memórias

As pessoas frequentemente recorrem aos alimentos para gerenciar suas emoções e bem-estar devido ao forte vínculo entre a alimentação e os estados emocionais. Muitos utilizam o ato de comer como uma forma de lidar com o estresse, ansiedade, tristeza ou até mesmo para celebrar momentos de alegria.

Comida caseira, regional, típica, popular e tradicional. Todos esses são slogans utilizados para fomentar a nostalgia. Um mineiro que mora no Rio de Janeiro não precisa voltar a sua cidade natal para comer o delicioso feijão tropeiro feito pela sua avó. Ele pode desfrutar de um semelhante, que traga um sentimento afetivo, na esquina de sua casa.

1. Exemplo de Emoções (Alimentos e Bebidas Confortantes)

Proporcionam sensação de prazer, recompensa e bem-estar emocional, ajudando a aumentar os níveis de serotonina e dopamina. Exemplos: doces, sorvetes, chocolate amargo, bebidas quentes com ou sem cafeína, drinks.

2. Exemplo de Memória (Alimentos Nostálgicos)

De acordo com uma pesquisa do Instituto Ipsos e DataFolha, 83% dos entrevistados afirmam consumir pratos típicos de seus estados, mesmo morando fora. Esses pratos remetem a infância e família, podendo estimular a nostalgia e a memória

Nesse sentido, para trazer a nostalgia ao restaurante, é necessário adequar não só a comida, mas também o próprio cardápio. Aderir slogans específicos ao menu é uma forma de cativar o cliente. Por exemplo: Prato da Vovó, Comida do Sertão, Pavê ou Para Comer, Cafezinho da Tarde, entre vários outros que remetem a memórias coletivas.

Essa adesão regional, caso bem feita, gera um marketing gratuito e natural para o próprio estabelecimento. Voltando ao exemplo do mineiro, ele poderá não só ir com frequência, mas como também indicar a outras pessoas o feijão tropeiro “idêntico ao de Minas’’ que ele conseguiu achar.

Exemplo prático: Pipo - Brasil

No restaurante que leva como nome seu apelido de infância, Felipe Bronze tem um talento especial para reinterpretar pratos tradicionais de forma que eles tragam à tona não só o sabor, mas também as sensações e memórias de uma refeição familiar ou de uma comida caseira. São misturados ingredientes da culinária regional brasileira com técnicas mais sofisticadas e apresentadas de forma contemporânea. Ao fazer isso, seus pratos conseguem proporcionar uma sensação de conforto e nostalgia, ao mesmo tempo que oferecem uma nova perspectiva sobre a comida brasileira.

Arena 4- O Poder do Som

Uma trilha sonora bem feita e analisada é quase como um ingrediente especial no cardápio.

Selecionar detalhadamente uma playlist que conte a historia do restaurante pode apresentar melhores resultados do que uma playlist com as músicas mais tocadas do Spotify

Em estudo feito pela Soundtrack Your Brand, uma trilha sonora com as músicas mais ouvidas resultou em uma diferença negativa de 9% das vendas em comparação a uma trilha sonora selecionada e que tenha conexão com os valores da marca

As frequências sonoras e os ritmos das músicas podem mudar a percepção do sabor

Altas frequências sonoras → sabor mais doce

Baixas frequências sonoras→ mais amargo

Ritmos rápidos → sabor mais azedo

Exemplo prático: Fat Duck - Reino Unido

O prato de frutos do mar ‘O som do mar’ (exclusivo do menu de degustação do restaurante 3 estrelas Michelin) é servido junto com um fone de ouvido atrelado a uma concha. O restaurante utiliza-se do bater suave das ondas da praia, com gaivotas a sobrevoar, para dar a sensação ao cliente de que ele estaria na beira do mar desfrutando de mariscos frescos.

Arena 5 - Outras Sensações

Controlando o olfato do consumidor

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De acordo com pesquisa da companhia FragranceX, 59% dos consumidores consomem mais se um estabelecimento apresenta um bom cheiro. Nesse sentido, investir em práticas que tragam a sensação de limpeza, porém de forma sútil, torna-se um alicerce para restaurantes.

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Há de se atentar para a possibilidade de certos aromas tornarem-se invasivos e desconfortáveis. Reconhecer a importância do feedback nesse tipo de situação é andar de mãos dadas com a opinião do cliente.

Exemplo prático: Mugaritz - Espanha

Após analisar que seus clientes estavam apresentando reclamações acerca do forte cheiro de limpador de chão, Andoni Luis Aduriz, chef e proprietário do restaurante espanhol 2 estrelas Michelin, Mugaritz, queimou alguns brotos de cipó num incensário e espalhou a fumaça pela sala. O cheiro da lenha queimada é universal e agradável para todos, e está associado à cozinha. Ao aderir essa prática, Andoni constatou um aumento do consumo em seu estabelecimento, além de seus clientes afirmarem estar mais confortáveis com o novo aroma.

Afinal, o que mais importa na percepção do cliente a um prato?

1. Condicionantes

Não estão ligados diretamente à percepção do gosto e sabor do alimento. Envolvem componentes externos: valores culturais, psicológicos, hábitos, ambientes, condições pessoais, etc.

2. Palatabilidade

Percepções tácteis e visuais. Textura, temperatura, cor, forma, som. Uma temperatura inadequada, por exemplo, consegue destruir a reputação de um prato, mesmo que este esteja com gosto e sabor deliciosos.

3. Sabor

Pode ser caracterizado de acordo com sua persistência, ou seja, quanto tempo esse sabor fica na memória do cliente; amplitude, diz respeito à quantidade de informações que esse sabor remete; aromas, o cheiro do alimento, e harmonizações, que avalia o conjunto dos ingredientes.

4. Gostos Secundários

Apimentado, Picância, Metálico, Terroso, Adstringência

5. Gostos Primários

Doce, salgado, amargo, ácido e umami. O gosto não é o principal fator que define a aceitabilidade do alimento. Entretanto, é a base de tudo.

Conclusão e Oportunidade

Em um contexto gastronômico extremamente concorrido, aderir práticas inovadoras da neurogastronomia pode ser um diferencial para os restaurantes. De acordo com o Instituto Foodservice Brasil (IFB), existem mais de 1,6 milhão de estabelecimentos foodservice ativos no Brasil. Não sair do básico pode representar um grave risco de falência. A neurogastronomia, se bem utilizada, é uma ciência capaz de impulsionar as vendas e criar experiências memoráveis para os clientes.

Quer saber mais? Assista a palestra de Tibério SIlva sobre a Neurogastronomia

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